terça-feira, 12 de julho de 2011

Rato na roda.


Lá estava ela novamente. Tomou mais um gole do líquido castanho claro que ocupava seu copo e continuou a observar. Das imagens turvas à sua frente, conseguiu focalizar duas crianças brincando em um parquinho: um menino de cabelos escuros que empurrava uma garotinha da mesma idade no balanço.

Ao seu lado, sob o banco que ocupava, além do copo inseparável havia um bloco de anotações. Quase que inconscientemente, a moça vinha destacando folhas e amassando-as desde o momento em que sentara ali. Lembranças invadiam a sua mente como flash backs indesejados do que acontecera naquela manhã, o corte na mão direita ainda lhe doía. Mas nada doía mais do que o seu coração. À medida que ele pulsava, a ansiedade dela por transformar aquela dor em palavras aumentava. Mas ela estava sozinha. As palavras pareciam ter-lhe abandonado. Por toda sua vida ela escreveu sobre seus sentimentos, então agora se encontrava tão vazia que escrever tornou-se um ato impossível?

Voltou o olhar para as crianças que continuavam a brincar. Percebeu que nesse meio tempo, outro garotinho empurrava a mesma menina de antes no balanço, ela estava radiante, como o menino era mais velho, a velocidade do brinquedo aumentara. Arrancou mais uma das imprestáveis folhas de seu bloquinho e, enquanto engolia mais da sua bebida, percebeu que o garoto de cabelos escuros chorava ao seu lado. A moça repousou o copo do outro lado do seu corpo e se aproximou da criança, passando o braço pelos seus ombros. Naquele fim de tarde, ela ensinou-lhe que para a maioria das pessoas, não importa quantas coisas boas você faça, o seu erro sempre vai se sobressair diante delas, que outros serão considerados melhores do que você por coisas banais. Um homem alto se aproximou dos dois.

Seus olhos fixaram-se nos da moça que abraçava o menino, e ele estendeu-lhe a mão. Ela sentiu uma pontada no corte quando lhe deu a sua, mas sorriu. Aceitou o seu convite para dar uma volta, e seus pensamentos cambaleavam tanto quanto suas pernas quando se levantou.

Seria outro começo de uma mesma história?

Sendo assim, talvez as palavras voltassem para ela. O corte na sua mão não demoraria a sarar, e o seu coração, seu pobre coração, poderia finalmente ser curado. Porém, bem no fundo dele ela sabia que um dia as folhas voltariam a ficar em branco, amassadas em cima de um banco da praça.

4 comentários:

  1. Caramba me arrepiei! Será que estou na mesma vibe do seu blog? Estranho nosso coração é um livro '' meio-maluco''? Algumas vezes amassado, molhado, borrado, rabiscado, sem um pingo de esperança. Alimentando sofrimento e de repente isso tudo é encaixotado e guardado em lembranças - uma música, um texto, um pedaço de papel -, e logo está esse ''safadinho'' pronto para ser feliz de novo, sempre tentando esquecer marcas do passado.

    Olha, não leio qualquer texto. A maioria deles são enfadonhos e chatos. Mas adoro os seus. Sinto o sentimento transbordar de seus dedos. Sinto que você se identifica pessoalmente com eles. Amo seu blog :)

    Beijos e boa sorte com seu s2

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  2. Awn, que gentileza sua! =) Realmente eu coloco o que estou sentindo pra fora, não importando o quão desesperançoso possa parecer, não moldo meus sentimentos de acordo com o que os outros querem ler, se isso é o que estou sentindo, então é o que escrevo.

    Sinto como você, que o meu coração sempre é maltratado, amassado, pra ser cuidado depois, e acontecer a mesma coisa, e isso na minha vida se tornou como um ciclo... Quem sabe um dia não encontro um ponto fixo?

    Como diria Ana Carolina:
    "Vejo que a vida me prestou esse favor: me fez sempre pronta pra viver um novo amor, um novo amor..."

    Um beijo. :)

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  3. Rafa, parabéns pelo conto, ele está muito bem-escrito e, apesar de ter um final triste, instigante. Achei a personagem bastante pessimista, mas a vida é assim... Uns são mais otimistas, outros menos, alguns nada.

    Saber decepcionar - no bom sentido - é tão importante quanto saber emocionar; quem sabe até seja mais complicado.

    Beijão! =)

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