quarta-feira, 27 de abril de 2011

Se chove aqui dentro.

Quando a chuva cessou e as nuvens escuras deram lugar a um novo céu azul, ela teve a plena certeza de que ali, do outro lado da parede, os pingos continuariam a cair. Embora esses sobre o seu rosto.
Não haveria céu azul novamente, pelo menos enquanto ela continuasse a permitir que aquela tempestade interior não findasse. Aquelas nuvens eram teimosas, insistiam em ficar ali, cobrindo todo o seu campo de visão: assim ela não poderia ver as coisas boas que estavam por perto.
E o pior é que aquela menina tinha consciência disso, e sabia como transformar as nuvens em chuva e limpar o seu céu, talvez apenas não quisesse... Era como ter a faca e o queijo na mão, mas não saber cortar.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

16º andar.

Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac. Murmurava o relógio avisando a chegada de mais uma noite.
Como de costume, sentou-se no parapeito da janela do quarto e fitou o horizonte. Ele acendeu um cigarro e enquanto tragava, de olhos fechados, teve um desejo desesperado de gritar. Isso o deixou admirado, pois em todos esses anos aquele momento era o refúgio em que buscava silêncio completo. Mas é claro, sempre havia o maldito tic-tac.
Apagou o cigarro e deixou o grito morrer em sua garganta, que ardia de desejo por mais um. Ah, se a linda moça soubesse que ele andava fumando... Quantas promessas já tinha feito? Perdera as contas. No fundo, ele sabia que havia dentro de si a vontade de mudar, de melhorar, mas infelizmente não passava de um desejo. Sentia-se pequeno, fraco, frágil demais para tomar qualquer atitude sem que se machucasse. Era como se qualquer um pudesse pisá-lo, esmagá-lo.
Havia algo muito estranho naquela noite, ele sentia. Primeiro: o tic-tac do relógio parecia ter parado. E não se podia dizer que aquilo era inusitado... Porque era simplesmente inédito. Aquele irritante barulho o acompanhava desde a primeira noite em que se sentara ali, na tentativa de aumentar a sua coragem e fazer o que julgava necessário. Deduziu que sua ganância por silêncio era tamanha, que se acostumou com o som do relógio e não mais o percebia.
Ele não sabia exatamente o porquê, mas ao invés de reparar a lua, que brilhava majestosa no céu, sua atenção voltou-se às pequenas estrelas naquela noite. Lembrou-se de certa vez, quando menino, que o avô lhe contou sobre elas. Havia dito que as estrelas surgiam depois de uma trabalhosa transformação, que antes elas eram somente nuvens de poeira e gás. Involuntariamente, ele fez uma analogia à sua própria vida. Era assim que se sentia, enfim: um acúmulo de poeira, um lixo imprestável. Mas quem poderia garantir que nunca seria estrela? Ser grande não era essencial. Ele teve a certeza disso quando, por fim, olhou para a lua. Ela era imensa, se comparada às pequenas estrelas, entretanto, não possuía luz própria.
E foi assim que decidiu não desperdiçar nem mais um tic-tac. Aquela foi a última noite em que buscou o silêncio da morte.

domingo, 17 de abril de 2011

Se carece de definição, me sinto leve.

Sabe, tudo que eu queria era essa paz morando aqui, para poder senti-la todos os dias e não somente de vez em quando. É angustiante a saudade dela quando se vai, e, sobretudo, inevitável. Um viajante sempre regressa ao seu ponto de partida. Sendo assim, aquela paz sempre me deixa e volta para o seu lugar de origem, por não me pertencer. Se ela me pertencesse... Ah, se ela me pertencesse! Sinto-me tão leve e serena que no meu ser não há mais espaço para outro sentimento.

Leveza. Serenidade.

É como se só houvesse eu e a brisa, a brisa e eu.

Inspiro. Expiro.

E se queres saber, nós nos damos muito bem.



Dedicado a você, que me ganha cada dia mais.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Espelhos da alma.


Eu realmente não sei se isso vai passar. E se sim, não tenho idéia de quando. A única coisa que sei, é que desde que encontrei aqueles olhos, eu senti a necessidade de jamais perdê-los.

Eles me transmitiram tudo o que eu sonhava sentir, ao mesmo tempo em que abriram espaços no meu coração e na minha mente para desejos e planos que eu jamais havia imaginado. Aqueles olhos angelicais me derreteram a alma por dentro, senti um ímpeto de gritar para todos que quisessem ouvir o quanto eu estava tomada por aquele amor, o quanto dele tinha em mim. Em cada decisão, em cada noite de insônia, em cada palavra dita.

Um dia, o que eu mais temia aconteceu... Aqueles olhos, antes tão meus, se despediram de mim. Juro que eu tentei impedir, disse-lhes que não fossem embora, tentei impedir que se jogassem naquele abismo, que os convidava, tão sedutor... A ilusão. Mas ao ver que o dono daquele olhar estava cego, resolvi que não podia prendê-lo, pois a liberdade lhe era amiga. Então eu desci, fiquei naquele abismo sedutor, esperando para ampará-lo na sua chegada. E eu ainda quero abraçá-lo.