terça-feira, 10 de julho de 2012

Por favor, fique mais.


"Quero brincar no teu corpo
Feito bailarina
Que logo se alucina
Salta e te ilumina
Quando a noite vem...
E nos músculos exaustos
Do teu braço
Repousar frouxa, murcha
Farta, morta de cansaço"
(Tatuagem - Chico Buarque)
Os primeiros pingos de chuva tocaram minha pele ao mesmo tempo em que uma onda tímida e lentamente se aproximava dos meus pés. O mar estava frio, e senti os pêlos do meu corpo se eriçarem. Quando estiquei os braços apoiando-os na areia e ergui a cabeça em direção ao céu, um pensamento veio a ela – Será que existe alguém olhando para mim? – bobagem – pensei - Deus provavelmente estaria entediado observando este cenário.

Tive um sobressalto quando outra onda, dessa vez muito maior, encobriu meus pés. Levantei-me e caminhei até o píer, ele oferecia a melhor vista da praia, mas hoje tudo estava cinza. Começou a chover mais forte. Engraçado, não era a primeira vez que vinha aqui em tempos de chuva, mas foi a única em que senti o quanto a solidão do mar era melancólica e contagiante. O céu nublado, a areia alva não tinha nenhuma de suas crianças e castelos, e ele lá, sozinho. Simplesmente como eu. Estremeci ao perceber a semelhança enquanto fitava o horizonte.

O barulho do vento era incessante, tornando impossível distinguir se os arrepios que sentia eram por frio ou medo... sim, aquela era uma cena quase macabra: eu na beira do píer de uma praia vazia, o céu escuro, e o ruir do vento. Uma mecha de cabelo molhada ricocheteou e grudou em meu rosto, ao afastá-la com a ponta dos dedos senti a presença de alguém atrás de mim. Não me virei, pois sabia quem era. Uma já conhecida sensação percorreu todo o meu corpo, e eu pude sentir seu abraço carinhoso quando ele passou as mãos em volta da minha cintura e me acolheu, fechei os olhos em meio a um longo suspiro.  Naquele momento o motivo que me levou a caminhar na praia em meio a tempestade havia se tornado uma vaga lembrança. Seu corpo quente contra minha roupa molhada quase me causou um choque térmico, e eu pude, enfim, relaxar... nada mais importava. Agora eu estava nos braços da paz.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Deixa-me ser.


“Eu prefiro tê-la beijado uma vez, tê-la sentido uma vez, do que passar uma eternidade sem saber o que é isso. Quando me perguntarem do que mais gostei vou dizer a eles que foi de você.”

- Cidade dos Anjos.

A lua brilhava com majestade no céu, incidindo a luz no olhar daquela moça. Estar deitada ali não facilitava muito, já que até o luar a fazia lembrar... Mas ela não parecia se importar com isso, afinal, todas as outras coisas pareciam fazer o mesmo. Tudo a fazia lembrar. Resolveu sentar-se. Abraçou os joelhos e descansou a cabeça sobre eles, ela sentia frio e sua pele estava arrepiada, ouvia o som das folhas da árvore ao seu lado, que dançavam com o vento, era final de primavera. Perdida em seus devaneios, a menina não saberia dizer o tempo exato que estava ali, mas pensou ser muito. Algo a incomodava e ela não sabia bem o que, aquilo aumentava ainda mais a sua angústia.

Culpava-se por ter se deixado apaixonar, estava tão acostumada a não sentir mais nada, a ser sempre indiferente em seus relacionamentos, que se esquecera do quão agoniante era a sensação de gostar de verdade de alguém. Depois de tantas decepções, ela deixou que um muro fosse erguido em seu coração; desde então sua autodefesa sobressaia sua vontade de amar.

Antes de se machucar, ela machucava. Antes de ser traída, ela traía. Aprendeu a fugir antes que fosse amada.

Mas tudo era tão diferente agora que estava apaixonada, a moça pensava. Sentia-se tão boba e vulnerável, que – tinha que confessar – estava feliz. Não lembrava quando tinha tido aquela reação de todo o corpo em movimento apenas por um olhar: Coração acelerado, mãos suando, respiração ofegante. Isso tudo a deixava feliz. Extremamente feliz. E vai ver era esse o problema... Para aquela moça, era 8 ou 80. Sentindo-se assim, ela tomava atitudes muitas vezes precipitadas, correndo grande risco de afastar a pessoa dos seus braços, de assustá-la. E, quando ela percebia que isso estava acontecendo, lá estava ele de novo: o muro. Todas as vezes que reagiam mal às suas demonstrações de sentimento, ela bloqueava o que sentia. E não queria que fosse assim dessa vez... Não quer que seja.

Deitou-se novamente. Somente quando a lua refletiu em seus olhos outra vez é que percebeu que a sua maior vontade agora era de envolvê-lo nos braços. O vento soprou uma pétala no seu rosto, a moça suspirou, virando-se de lado e, sem nenhum tom de cobrança, sussurrou:

- Fica comigo, eu preciso de você.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Rato na roda.


Lá estava ela novamente. Tomou mais um gole do líquido castanho claro que ocupava seu copo e continuou a observar. Das imagens turvas à sua frente, conseguiu focalizar duas crianças brincando em um parquinho: um menino de cabelos escuros que empurrava uma garotinha da mesma idade no balanço.

Ao seu lado, sob o banco que ocupava, além do copo inseparável havia um bloco de anotações. Quase que inconscientemente, a moça vinha destacando folhas e amassando-as desde o momento em que sentara ali. Lembranças invadiam a sua mente como flash backs indesejados do que acontecera naquela manhã, o corte na mão direita ainda lhe doía. Mas nada doía mais do que o seu coração. À medida que ele pulsava, a ansiedade dela por transformar aquela dor em palavras aumentava. Mas ela estava sozinha. As palavras pareciam ter-lhe abandonado. Por toda sua vida ela escreveu sobre seus sentimentos, então agora se encontrava tão vazia que escrever tornou-se um ato impossível?

Voltou o olhar para as crianças que continuavam a brincar. Percebeu que nesse meio tempo, outro garotinho empurrava a mesma menina de antes no balanço, ela estava radiante, como o menino era mais velho, a velocidade do brinquedo aumentara. Arrancou mais uma das imprestáveis folhas de seu bloquinho e, enquanto engolia mais da sua bebida, percebeu que o garoto de cabelos escuros chorava ao seu lado. A moça repousou o copo do outro lado do seu corpo e se aproximou da criança, passando o braço pelos seus ombros. Naquele fim de tarde, ela ensinou-lhe que para a maioria das pessoas, não importa quantas coisas boas você faça, o seu erro sempre vai se sobressair diante delas, que outros serão considerados melhores do que você por coisas banais. Um homem alto se aproximou dos dois.

Seus olhos fixaram-se nos da moça que abraçava o menino, e ele estendeu-lhe a mão. Ela sentiu uma pontada no corte quando lhe deu a sua, mas sorriu. Aceitou o seu convite para dar uma volta, e seus pensamentos cambaleavam tanto quanto suas pernas quando se levantou.

Seria outro começo de uma mesma história?

Sendo assim, talvez as palavras voltassem para ela. O corte na sua mão não demoraria a sarar, e o seu coração, seu pobre coração, poderia finalmente ser curado. Porém, bem no fundo dele ela sabia que um dia as folhas voltariam a ficar em branco, amassadas em cima de um banco da praça.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Se chove aqui dentro.

Quando a chuva cessou e as nuvens escuras deram lugar a um novo céu azul, ela teve a plena certeza de que ali, do outro lado da parede, os pingos continuariam a cair. Embora esses sobre o seu rosto.
Não haveria céu azul novamente, pelo menos enquanto ela continuasse a permitir que aquela tempestade interior não findasse. Aquelas nuvens eram teimosas, insistiam em ficar ali, cobrindo todo o seu campo de visão: assim ela não poderia ver as coisas boas que estavam por perto.
E o pior é que aquela menina tinha consciência disso, e sabia como transformar as nuvens em chuva e limpar o seu céu, talvez apenas não quisesse... Era como ter a faca e o queijo na mão, mas não saber cortar.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

16º andar.

Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac. Murmurava o relógio avisando a chegada de mais uma noite.
Como de costume, sentou-se no parapeito da janela do quarto e fitou o horizonte. Ele acendeu um cigarro e enquanto tragava, de olhos fechados, teve um desejo desesperado de gritar. Isso o deixou admirado, pois em todos esses anos aquele momento era o refúgio em que buscava silêncio completo. Mas é claro, sempre havia o maldito tic-tac.
Apagou o cigarro e deixou o grito morrer em sua garganta, que ardia de desejo por mais um. Ah, se a linda moça soubesse que ele andava fumando... Quantas promessas já tinha feito? Perdera as contas. No fundo, ele sabia que havia dentro de si a vontade de mudar, de melhorar, mas infelizmente não passava de um desejo. Sentia-se pequeno, fraco, frágil demais para tomar qualquer atitude sem que se machucasse. Era como se qualquer um pudesse pisá-lo, esmagá-lo.
Havia algo muito estranho naquela noite, ele sentia. Primeiro: o tic-tac do relógio parecia ter parado. E não se podia dizer que aquilo era inusitado... Porque era simplesmente inédito. Aquele irritante barulho o acompanhava desde a primeira noite em que se sentara ali, na tentativa de aumentar a sua coragem e fazer o que julgava necessário. Deduziu que sua ganância por silêncio era tamanha, que se acostumou com o som do relógio e não mais o percebia.
Ele não sabia exatamente o porquê, mas ao invés de reparar a lua, que brilhava majestosa no céu, sua atenção voltou-se às pequenas estrelas naquela noite. Lembrou-se de certa vez, quando menino, que o avô lhe contou sobre elas. Havia dito que as estrelas surgiam depois de uma trabalhosa transformação, que antes elas eram somente nuvens de poeira e gás. Involuntariamente, ele fez uma analogia à sua própria vida. Era assim que se sentia, enfim: um acúmulo de poeira, um lixo imprestável. Mas quem poderia garantir que nunca seria estrela? Ser grande não era essencial. Ele teve a certeza disso quando, por fim, olhou para a lua. Ela era imensa, se comparada às pequenas estrelas, entretanto, não possuía luz própria.
E foi assim que decidiu não desperdiçar nem mais um tic-tac. Aquela foi a última noite em que buscou o silêncio da morte.

domingo, 17 de abril de 2011

Se carece de definição, me sinto leve.

Sabe, tudo que eu queria era essa paz morando aqui, para poder senti-la todos os dias e não somente de vez em quando. É angustiante a saudade dela quando se vai, e, sobretudo, inevitável. Um viajante sempre regressa ao seu ponto de partida. Sendo assim, aquela paz sempre me deixa e volta para o seu lugar de origem, por não me pertencer. Se ela me pertencesse... Ah, se ela me pertencesse! Sinto-me tão leve e serena que no meu ser não há mais espaço para outro sentimento.

Leveza. Serenidade.

É como se só houvesse eu e a brisa, a brisa e eu.

Inspiro. Expiro.

E se queres saber, nós nos damos muito bem.



Dedicado a você, que me ganha cada dia mais.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Espelhos da alma.


Eu realmente não sei se isso vai passar. E se sim, não tenho idéia de quando. A única coisa que sei, é que desde que encontrei aqueles olhos, eu senti a necessidade de jamais perdê-los.

Eles me transmitiram tudo o que eu sonhava sentir, ao mesmo tempo em que abriram espaços no meu coração e na minha mente para desejos e planos que eu jamais havia imaginado. Aqueles olhos angelicais me derreteram a alma por dentro, senti um ímpeto de gritar para todos que quisessem ouvir o quanto eu estava tomada por aquele amor, o quanto dele tinha em mim. Em cada decisão, em cada noite de insônia, em cada palavra dita.

Um dia, o que eu mais temia aconteceu... Aqueles olhos, antes tão meus, se despediram de mim. Juro que eu tentei impedir, disse-lhes que não fossem embora, tentei impedir que se jogassem naquele abismo, que os convidava, tão sedutor... A ilusão. Mas ao ver que o dono daquele olhar estava cego, resolvi que não podia prendê-lo, pois a liberdade lhe era amiga. Então eu desci, fiquei naquele abismo sedutor, esperando para ampará-lo na sua chegada. E eu ainda quero abraçá-lo.