quarta-feira, 20 de abril de 2011

16º andar.

Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac. Murmurava o relógio avisando a chegada de mais uma noite.
Como de costume, sentou-se no parapeito da janela do quarto e fitou o horizonte. Ele acendeu um cigarro e enquanto tragava, de olhos fechados, teve um desejo desesperado de gritar. Isso o deixou admirado, pois em todos esses anos aquele momento era o refúgio em que buscava silêncio completo. Mas é claro, sempre havia o maldito tic-tac.
Apagou o cigarro e deixou o grito morrer em sua garganta, que ardia de desejo por mais um. Ah, se a linda moça soubesse que ele andava fumando... Quantas promessas já tinha feito? Perdera as contas. No fundo, ele sabia que havia dentro de si a vontade de mudar, de melhorar, mas infelizmente não passava de um desejo. Sentia-se pequeno, fraco, frágil demais para tomar qualquer atitude sem que se machucasse. Era como se qualquer um pudesse pisá-lo, esmagá-lo.
Havia algo muito estranho naquela noite, ele sentia. Primeiro: o tic-tac do relógio parecia ter parado. E não se podia dizer que aquilo era inusitado... Porque era simplesmente inédito. Aquele irritante barulho o acompanhava desde a primeira noite em que se sentara ali, na tentativa de aumentar a sua coragem e fazer o que julgava necessário. Deduziu que sua ganância por silêncio era tamanha, que se acostumou com o som do relógio e não mais o percebia.
Ele não sabia exatamente o porquê, mas ao invés de reparar a lua, que brilhava majestosa no céu, sua atenção voltou-se às pequenas estrelas naquela noite. Lembrou-se de certa vez, quando menino, que o avô lhe contou sobre elas. Havia dito que as estrelas surgiam depois de uma trabalhosa transformação, que antes elas eram somente nuvens de poeira e gás. Involuntariamente, ele fez uma analogia à sua própria vida. Era assim que se sentia, enfim: um acúmulo de poeira, um lixo imprestável. Mas quem poderia garantir que nunca seria estrela? Ser grande não era essencial. Ele teve a certeza disso quando, por fim, olhou para a lua. Ela era imensa, se comparada às pequenas estrelas, entretanto, não possuía luz própria.
E foi assim que decidiu não desperdiçar nem mais um tic-tac. Aquela foi a última noite em que buscou o silêncio da morte.

3 comentários:

  1. Rafinha,primeiramente parabéns pelo blog, seus post's sao incriveis,vc tem um dom com as palavras.

    16º andar...bem interessante, pq as vezes achamos que nao fazemos parte de nada maior, talvez por nao enxergar o que temos em nossa volta, e simplesmente o fato de tentar olhar de outra perspectiva pode dar ao ato de viver um novo significado.

    Bjoos lindona!
    Day

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  2. Muito bom... do que adianta a intensidade e o tamanho se não possui luz?

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  3. rs ...
    "16º andar" , me envolvi tanto nessa leitura que pareceu necessidade adaptar meu entendimento em outro texto ! Desculpa, não me controlei . hahah
    continuo a ler a beleza de suas palavras :)
    Parabéns, rafa *-*

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