Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac. Murmurava o relógio avisando a chegada de mais uma noite.
Como de costume, sentou-se no parapeito da janela do quarto e fitou o horizonte. Ele acendeu um cigarro e enquanto tragava, de olhos fechados, teve um desejo desesperado de gritar. Isso o deixou admirado, pois em todos esses anos aquele momento era o refúgio em que buscava silêncio completo. Mas é claro, sempre havia o maldito tic-tac.
Apagou o cigarro e deixou o grito morrer em sua garganta, que ardia de desejo por mais um. Ah, se a linda moça soubesse que ele andava fumando... Quantas promessas já tinha feito? Perdera as contas. No fundo, ele sabia que havia dentro de si a vontade de mudar, de melhorar, mas infelizmente não passava de um desejo. Sentia-se pequeno, fraco, frágil demais para tomar qualquer atitude sem que se machucasse. Era como se qualquer um pudesse pisá-lo, esmagá-lo.
Havia algo muito estranho naquela noite, ele sentia. Primeiro: o tic-tac do relógio parecia ter parado. E não se podia dizer que aquilo era inusitado... Porque era simplesmente inédito. Aquele irritante barulho o acompanhava desde a primeira noite em que se sentara ali, na tentativa de aumentar a sua coragem e fazer o que julgava necessário. Deduziu que sua ganância por silêncio era tamanha, que se acostumou com o som do relógio e não mais o percebia.
Ele não sabia exatamente o porquê, mas ao invés de reparar a lua, que brilhava majestosa no céu, sua atenção voltou-se às pequenas estrelas naquela noite. Lembrou-se de certa vez, quando menino, que o avô lhe contou sobre elas. Havia dito que as estrelas surgiam depois de uma trabalhosa transformação, que antes elas eram somente nuvens de poeira e gás. Involuntariamente, ele fez uma analogia à sua própria vida. Era assim que se sentia, enfim: um acúmulo de poeira, um lixo imprestável. Mas quem poderia garantir que nunca seria estrela? Ser grande não era essencial. Ele teve a certeza disso quando, por fim, olhou para a lua. Ela era imensa, se comparada às pequenas estrelas, entretanto, não possuía luz própria.
E foi assim que decidiu não desperdiçar nem mais um tic-tac. Aquela foi a última noite em que buscou o silêncio da morte.