Feito bailarina
Que logo se alucina
Salta e te ilumina
Quando a noite vem...
Do teu braço
Repousar frouxa, murcha
Farta, morta de cansaço"
Pedaços que se soltaram de mim.
“Eu prefiro tê-la beijado uma vez, tê-la sentido uma vez, do que passar uma eternidade sem saber o que é isso. Quando me perguntarem do que mais gostei vou dizer a eles que foi de você.”
- Cidade dos Anjos.
A lua brilhava com majestade no céu, incidindo a luz no olhar daquela moça. Estar deitada ali não facilitava muito, já que até o luar a fazia lembrar... Mas ela não parecia se importar com isso, afinal, todas as outras coisas pareciam fazer o mesmo. Tudo a fazia lembrar. Resolveu sentar-se. Abraçou os joelhos e descansou a cabeça sobre eles, ela sentia frio e sua pele estava arrepiada, ouvia o som das folhas da árvore ao seu lado, que dançavam com o vento, era final de primavera. Perdida em seus devaneios, a menina não saberia dizer o tempo exato que estava ali, mas pensou ser muito. Algo a incomodava e ela não sabia bem o que, aquilo aumentava ainda mais a sua angústia.
Culpava-se por ter se deixado apaixonar, estava tão acostumada a não sentir mais nada, a ser sempre indiferente em seus relacionamentos, que se esquecera do quão agoniante era a sensação de gostar de verdade de alguém. Depois de tantas decepções, ela deixou que um muro fosse erguido em seu coração; desde então sua autodefesa sobressaia sua vontade de amar.
Antes de se machucar, ela machucava. Antes de ser traída, ela traía. Aprendeu a fugir antes que fosse amada.
Mas tudo era tão diferente agora que estava apaixonada, a moça pensava. Sentia-se tão boba e vulnerável, que – tinha que confessar – estava feliz. Não lembrava quando tinha tido aquela reação de todo o corpo em movimento apenas por um olhar: Coração acelerado, mãos suando, respiração ofegante. Isso tudo a deixava feliz. Extremamente feliz. E vai ver era esse o problema... Para aquela moça, era 8 ou 80. Sentindo-se assim, ela tomava atitudes muitas vezes precipitadas, correndo grande risco de afastar a pessoa dos seus braços, de assustá-la. E, quando ela percebia que isso estava acontecendo, lá estava ele de novo: o muro. Todas as vezes que reagiam mal às suas demonstrações de sentimento, ela bloqueava o que sentia. E não queria que fosse assim dessa vez... Não quer que seja.
Deitou-se novamente. Somente quando a lua refletiu em seus olhos outra vez é que percebeu que a sua maior vontade agora era de envolvê-lo nos braços. O vento soprou uma pétala no seu rosto, a moça suspirou, virando-se de lado e, sem nenhum tom de cobrança, sussurrou:
- Fica comigo, eu preciso de você.
Lá estava ela novamente. Tomou mais um gole do líquido castanho claro que ocupava seu copo e continuou a observar. Das imagens turvas à sua frente, conseguiu focalizar duas crianças brincando em um parquinho: um menino de cabelos escuros que empurrava uma garotinha da mesma idade no balanço.
Ao seu lado, sob o banco que ocupava, além do copo inseparável havia um bloco de anotações. Quase que inconscientemente, a moça vinha destacando folhas e amassando-as desde o momento em que sentara ali. Lembranças invadiam a sua mente como flash backs indesejados do que acontecera naquela manhã, o corte na mão direita ainda lhe doía. Mas nada doía mais do que o seu coração. À medida que ele pulsava, a ansiedade dela por transformar aquela dor em palavras aumentava. Mas ela estava sozinha. As palavras pareciam ter-lhe abandonado. Por toda sua vida ela escreveu sobre seus sentimentos, então agora se encontrava tão vazia que escrever tornou-se um ato impossível?
Voltou o olhar para as crianças que continuavam a brincar. Percebeu que nesse meio tempo, outro garotinho empurrava a mesma menina de antes no balanço, ela estava radiante, como o menino era mais velho, a velocidade do brinquedo aumentara. Arrancou mais uma das imprestáveis folhas de seu bloquinho e, enquanto engolia mais da sua bebida, percebeu que o garoto de cabelos escuros chorava ao seu lado. A moça repousou o copo do outro lado do seu corpo e se aproximou da criança, passando o braço pelos seus ombros. Naquele fim de tarde, ela ensinou-lhe que para a maioria das pessoas, não importa quantas coisas boas você faça, o seu erro sempre vai se sobressair diante delas, que outros serão considerados melhores do que você por coisas banais. Um homem alto se aproximou dos dois.
Seus olhos fixaram-se nos da moça que abraçava o menino, e ele estendeu-lhe a mão. Ela sentiu uma pontada no corte quando lhe deu a sua, mas sorriu. Aceitou o seu convite para dar uma volta, e seus pensamentos cambaleavam tanto quanto suas pernas quando se levantou.
Seria outro começo de uma mesma história?
Sendo assim, talvez as palavras voltassem para ela. O corte na sua mão não demoraria a sarar, e o seu coração, seu pobre coração, poderia finalmente ser curado. Porém, bem no fundo dele ela sabia que um dia as folhas voltariam a ficar em branco, amassadas em cima de um banco da praça.
Eu realmente não sei se isso vai passar. E se sim, não tenho idéia de quando. A única coisa que sei, é que desde que encontrei aqueles olhos, eu senti a necessidade de jamais perdê-los.
Eles me transmitiram tudo o que eu sonhava sentir, ao mesmo tempo em que abriram espaços no meu coração e na minha mente para desejos e planos que eu jamais havia imaginado. Aqueles olhos angelicais me derreteram a alma por dentro, senti um ímpeto de gritar para todos que quisessem ouvir o quanto eu estava tomada por aquele amor, o quanto dele tinha em mim. Em cada decisão, em cada noite de insônia, em cada palavra dita.
Um dia, o que eu mais temia aconteceu... Aqueles olhos, antes tão meus, se despediram de mim. Juro que eu tentei impedir, disse-lhes que não fossem embora, tentei impedir que se jogassem naquele abismo, que os convidava, tão sedutor... A ilusão. Mas ao ver que o dono daquele olhar estava cego, resolvi que não podia prendê-lo, pois a liberdade lhe era amiga. Então eu desci, fiquei naquele abismo sedutor, esperando para ampará-lo na sua chegada. E eu ainda quero abraçá-lo.